QUANDO A VÍTIMA É O DIABO.
Cesar Techio Economista – Advogado
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A transferência de responsabilidade por todas as besteiras, bobagens, ilicitudes, contravenções e crimes cometidos pelo ser humano, ao diabo, é mecanismo de defesa inaceitável. Estultice imaginar que interfira em nossas ações, decisivamente, a ponto de ser ele a força motriz que move o braço no assassinato, a boca nos impropérios, a mão nos roubos, o sexo no estupro, a parvoíce no trato e convivência social. É muito conveniente atribuirmos ao diabo (besta, belzebu, capeta, demônio, exu, lúcifer, satã, satanás, tinhoso, maligno, entre tantas denominações) a responsabilidade pelas nossas sacanagens, loucuras, bebedeiras, brigas, mau humor e desastres, enquanto pessoas dotadas de inteligência, visão, audição, fala e demais sentidos que nos permitem distinguir o certo do errado.
O direito natural, que dita que não é normal causar sofrimento, está insculpido no coração de homens e mulheres, desde o nascimento. Não há sequer necessidade de explicar que não se deve impingir dor ou ferir qualquer ser vivo. De tal sorte que se afigura surreal atribuir a uma entidade espiritual maligna, a responsabilidade pelas multifacetadas violências que povoam as relações humanas. Utilizar uma figura mística como agente dotado de poderes superiores, capaz de interferir na ação volitiva dos homens a ponto de caçar-lhes o livre arbítrio e, portanto, de agir por meio deles na criação do caos pessoal, familiar e social, é alimentar subsídios para a irresponsabilidade que destrói a vida das pessoas, fulmina a harmonia das famílias, inferniza a sociedade e lota os presídios. Crenças, doutrinas e teologias são válidas pelo conteúdo ético, princípios morais, cores humanistas e pedagógicas de que são portadoras. Mas, responsabilizar o demônio por absolutamente tudo o que ocorre de errado na vida, é um equívoco que ultrapassa o bom senso e envergonha aos que tem o mínimo de juízo. Sob as luzes do iluminismo, do positivismo e do antropocentrismo, o diabo chega a figurar como vítima da covardia e oportunismo secular de homens e mulheres, os quais, sem a menor parcimônia, lhe atribuem toda a culpa pelas próprias mazelas, contradições e impossibilidades de serem filhos respeitosos, pais responsáveis, amigos leais, esposas recatadas, trabalhadores esforçados, empregados obedientes, patrões justos, cidadãos patriotas e políticos honestos.
NUNES PEDRO, (“in” Dicionário de Tecnologia Jurídica) define a vontade, como “poder irredutível, faculdade que tem o homem de querer, de se determinar espontaneamente a uma ação ou omissão, após reflexão. Exercício desse poder. Energia que domina e dirige nossas idéias. Livre disposição do espírito para deliberar e agir por si mesmo”. Privilegiar a razão como base de todo o conhecimento, em Renè Descartes, foi o primeiro passo para tirar o homem das trevas da ignorância e, a partir daí, o iluminismo firma a experiência, a razão e o método científico como únicas formas de obtenção do conhecimento, colocando o homem como centro do universo.
O que importa, sob o tema “vitimologia”, objeto destas breves reflexões desdobradas na trilogia “Quando a vítima é o homem”, “Quando a vítima é o diabo” e em terceiro título inédito (ainda no prelo de minhas elucubrações), é o fato incontestável, de que cada pessoa, além de ser agente e de sua própria história, é a única responsável pelos seus próprios atos, sendo defeso transferir a terceiros a responsabilidade pelas próprias ações. Neste contexto, o diabo nada mais é do que um “bode-expiatório”, verdadeira vítima de uma mitologia cômoda e de uma teologia que precisa ser reestudada sob a ótica da intransferibilidade da responsabilidade pelos atos pessoais que pesa sobre a cabeça de cada homem e de cada mulher. Pensamento da semana: "O diabo pode até ser o culpado, mas quem paga o pato é você."