Cesar Techio
Economista –
Advogado
cesartechio@gmail.com.br
A Declaração dos Direitos Humanos
da ONU reconhece a privacidade como um direito fundamental e assegura ao homem,
só pelo fato de ser homem, respeito a sua dignidade, autonomia, liberdade e,
segundo Celso Lafer, a de “excluir do conhecimento de terceiro aquilo que a ele
só se refere, e que diz respeito ao seu modo de ser no âmbito da vida privada”.
A dignidade da pessoa humana se constitui num bem jurídico absoluto,
inalienável, intangível e irrenunciável. Com base nestes princípios jurídicos
parte da mídia internacional reprovou a possível existência de um sistema
de vigilância secreto dos EUA que teria franqueado à inteligência daquele país
monitorar todos os que usam a internet. Segundo
Edward Joseph Snowden, ex-analista de inteligência americano que tornou
públicos detalhes de várias programas altamente confidenciais de vigilância
eletrônica dos governos de Estados Unidos e Reino Unido (entre eles o
XKeyscore), a quebra de privacidade teria ocorrido na forma de monitoramento de
registros de telefone e internet. A plausível justificativa do governo
americano repousa na necessidade de rastrear possíveis ameaças de terrorismo.
No Brasil, com imprescindível
autorização judicial, as polícias também monitoram dados bancários, de
internet, telefonemas e movimentos de cidadãos com justificativas igualmente
aceitáveis, de investigar suspeitos por diversos crimes. O risco à segurança
dos países, ao sistema democrático de direito e à dignidade da maioria dos
cidadãos, permite relativizar o mandamento jurídico-constitucional da
intangibilidade do direito à privacidade. Em outras palavras, o direito à
privacidade, um dos elementos integradores da dignidade da pessoa humana, deve
ceder diante da desconsideração e desrespeito, por parte de meliantes, à dignidade
da maioria das pessoas que vivem em sociedade.
Partindo deste pressuposto e, com o
escopo de proteger a dignidade e a segurança da sociedade humana e ainda por
imperativo de defesa de valores e princípios fundamentais, é plenamente
justificável que se possa e se deva afetar a privacidade de ofensores que se
conduzem de maneira indigna e atentatória aos direitos fundamentais. Assim,
ações criminosas que colocam em xeque a segurança dos países não podem estar
protegidas pelo direito à privacidade como corolário da dignidade humana, uma
vez que atentam contra a tranquilidade, a paz e o modo de viver da maioria.
A ideia de que todas as pessoas são iguais em
dignidade (basta ser pessoa) deve ceder lugar a realidade de que nem
todas se comportam de forma igualmente digna e, por assim agir, violentam a
democracia, o estado de direito e o dever de respeito recíproco à dignidade
alheia. Por isso, o conflito entre o direito à privacidade e o direito de viver
num mundo harmônico, seguro e próspero, deve se resolver em desfavor daquele e
em favor do monitoramento global de dados de internet, financeiros e de
relacionamento interpessoal, mesmo porque existem valores sociais muito mais
relevantes do que a privacidade individual.
Pensamento da semana: “Costumo voltar atrás, sim. Não
tenho compromisso com o erro.” Juscelino Kubitschek.