quarta-feira, 14 de agosto de 2013

MONITORAMENTO GLOBAL: O FIM DA PRIVACIDADE



Cesar Techio
Economista – Advogado

      
       A Declaração dos Direitos Humanos da ONU reconhece a privacidade como um direito fundamental e assegura ao homem, só pelo fato de ser homem, respeito a sua dignidade, autonomia, liberdade e, segundo Celso Lafer, a de “excluir do conhecimento de terceiro aquilo que a ele só se refere, e que diz respeito ao seu modo de ser no âmbito da vida privada”. A dignidade da pessoa humana se constitui num bem jurídico absoluto, inalienável, intangível e irrenunciável. Com base nestes princípios jurídicos parte da mídia internacional reprovou a possível existência de um sistema de vigilância secreto dos EUA que teria franqueado à inteligência daquele país monitorar todos os que usam a internet. Segundo Edward Joseph Snowden, ex-analista de inteligência americano que tornou públicos detalhes de várias programas altamente confidenciais de vigilância eletrônica dos governos de Estados Unidos e Reino Unido (entre eles o XKeyscore), a quebra de privacidade teria ocorrido na forma de monitoramento de registros de telefone e internet. A plausível justificativa do governo americano repousa na necessidade de rastrear possíveis ameaças de terrorismo.

       No Brasil, com imprescindível autorização judicial, as polícias também monitoram dados bancários, de internet, telefonemas e movimentos de cidadãos com justificativas igualmente aceitáveis, de investigar suspeitos por diversos crimes. O risco à segurança dos países, ao sistema democrático de direito e à dignidade da maioria dos cidadãos, permite relativizar o mandamento jurídico-constitucional da intangibilidade do direito à privacidade. Em outras palavras, o direito à privacidade, um dos elementos integradores da dignidade da pessoa humana, deve ceder diante da desconsideração e desrespeito, por parte de meliantes, à dignidade da maioria das pessoas que vivem em sociedade.

       Partindo deste pressuposto e, com o escopo de proteger a dignidade e a segurança da sociedade humana e ainda por imperativo de defesa de valores e princípios fundamentais, é plenamente justificável que se possa e se deva afetar a privacidade de ofensores que se conduzem de maneira indigna e atentatória aos direitos fundamentais. Assim, ações criminosas que colocam em xeque a segurança dos países não podem estar protegidas pelo direito à privacidade como corolário da dignidade humana, uma vez que atentam contra a tranquilidade, a paz e o modo de viver da maioria.      A ideia de que todas as pessoas são iguais em dignidade (basta ser pessoa) deve ceder  lugar a realidade de que nem todas se comportam de forma igualmente digna e, por assim agir, violentam a democracia, o estado de direito e o dever de respeito recíproco à dignidade alheia. Por isso, o conflito entre o direito à privacidade e o direito de viver num mundo harmônico, seguro e próspero, deve se resolver em desfavor daquele e em favor do monitoramento global de dados de internet, financeiros e de relacionamento interpessoal, mesmo porque existem valores sociais muito mais relevantes do que a privacidade individual.


Pensamento da semana: “Costumo voltar atrás, sim. Não tenho compromisso com o erro.” Juscelino Kubitschek.