segunda-feira, 26 de julho de 2010

ELOGIO À PREGUIÇA


Cesar Techio - Economista – Advogado

cesartechio@gmail.com


Entusiasmado com a leitura de “Elogio à sesta”, ocorreu-me que o panegírico de Leonardo Boff ao sono revigorante, pós-almoço, tem mesmo algo de necessário e, convenhamos de emblemático. O sono implica em aceitação de nossas limitações, cansaços e permite um “stop” reflexivo em meio ao burburinho da “corrida” cotidiana com que nos empenhamos em construir isso ou aquilo. A necessidade da sesta parece ser um mecanismo biológico secreto da natureza que nos convida, inconscientemente a interromper e desligar o nosso habitual e diário modo de agir, permitindo, sim, um novo amanhecer no mesmo dia. O embaraço mental, exatamente na metade do dia a exigir um “dolce” dormitar me parece contudente sinal de que o ritmo cibernético da nossa vida não vai bem. A sesta propicia ao subconsciente da humanidade um revigorar físico e mental, propício a reprogramar o projeto de “progresso” e de ganância que nos arrasta para o final dos tempos.

A partir destas reflexões assaltou-me à memória ”O Direito à Preguiça”, do cubano e genro de Karl Marx, Paul Lafargue, ensaio escrito à época da Revolução industrial em que mortes prematuras de operários, em meio à superprodução de bens e a uma carga horária de doze a dezoito horas diária, formavam um quadro de opressão, caos e crueldade. Sua proposta previa a redução das jornadas de trabalho com o que melhoraria a produtividade e a qualidade de vida dos trabalhadores. Estes, com tempo disponível também se tornariam consumidores, fruindo do lazer, cultura, turismo e produtos, diversificando e melhorando a própria economia.

Com a devida vênia, alguns trechos de Lafargue: “Este trabalho, que em Junho de 1848 os operários reclamavam de armas na mão, impuseram-no eles às suas famílias; entregaram, aos barões da indústria, as suas mulheres e os seus filhos. Com as suas próprias mãos demoliram o lar; com as suas próprias mãos secaram o leite das suas mulheres; as infelizes, grávidas e amamentando os seus bebês, tiveram de ir para as minas e para as manufaturas esticar a espinha e esgotar os nervos; com as suas próprias mãos, quebraram a vida e vigor dos seus filhos. - Que vergonha para os proletários!” “Onde estão essas mulheres prazenteiras, sempre apressadas, sempre a cozinhar, sempre a cantar, sempre a semear a vida gerando a alegria, dando à luz sem dores filhos sãos e vigorosos?... Temos hoje as raparigas e as mulheres da fábrica, insignificantes flores de pálidas cores, com um sangue sem rutilância, com o estômago deteriorado, com os membros sem energia!... Nunca conheceram o prazer robusto e não seriam capazes de contar atrevidamente como quebraram a sua concha! E as crianças? Doze horas de trabalho para as crianças. Ó miséria! - Mas todos os Jules Simon da Academia das Ciências Morais e Políticas, todos os Germiny da jesuitaria, não teriam podido inventar um vício mais embrutecedor para a inteligência das crianças, mais corruptor dos seus instintos, mais destruidor do seu organismo do que o trabalho na atmosfera viciada da oficina capitalista. A nossa época é, dizem, o século do trabalho; de fato, é o século da dor, da miséria e da corrupção.” ”Cristo pregou a preguiça no seu sermão da montanha: Contemplai o crescimento dos lírios dos campos, eles não trabalham nem fiam e, todavia, digo-vos, Salomão, em toda a sua glória, não se vestiu com maior brilho.”

Em suma, é preciso frenar urgentemente a política desenvolvimentista, de consumo e de crescimento interminável do PIB dos países, pois está exterminando a vida na terra. E prosperar com simplicidade, gerando somente os filhos que se pode criar com dignidade, consumido apenas o necessário, sem ostentação, adotando alternativas tecnológicas limpas. Enfim, obter o sustento com o suor do rosto, mas, sem esquecer-se de descansar no sétimo dia e no Senhor.

Pensamento: “O trabalho desenfreado é o mais terrível flagelo que já atacou a humanidade.” Paul Lafargue