quinta-feira, 13 de maio de 2010

“ENCHENTES: ADIANTA DEMOLIR PRÉDIOS E CASAS?”


Cesar Techio - Economista – Advogado
cesartechio@gmail.com

A construção do canal extravassor e da barragem de contenção são medidas imprescindíveis, necessárias, indiscutíveis, de relevante interesse público e que já chegam tarde. Todavia, devem vir acompanhadas por uma política ambiental que proíba qualquer tipo de desmatamento na bacia hidrográfica, sob pena de virarem, em curto prazo, obras estéreis e inúteis. A justificativa é simples: A terra sob as matas possui a missão de reter enxurradas e absorver a água da chuva conduzindo-a para o lençol freático. Neste sentido, é urgente dar fim a farra de destruição da cobertura vegetal na nossa bacia hidrográfica, estancando de vez alvarás de construção e licenças ambientais. O que não podemos, convenhamos, é propor a demolição de todos os prédios e casas construídas ao longo do rio na reserva de faixa não edificável de 15 metros de cada lado, conforme inciso III do artigo 4º da Lei 6.766/79.

Ocorre que o quadro de ocupação do espaço urbano, antes da lei, era regular, legal e transformou-se, hoje, numa situação social, econômica e jurídica consolidada. Neste aspecto reporto-me ao que afirmei em 2007 a engenheiros, arquitetos, geólogos, empresários da construção civil e de várias instituições, com a presença do Ministério Público, em seminário no Clube 29 de Julho: “O histórico e forma de ocupação do solo urbano, ladeando o curso do Rio dos Queimados, considerando nossa peculiar topografia, não se coaduna com a lei posterior cuja aplicação simplesmente acabaria com a cidade”. Somados aos 30 metros, mais 5 metros do rio, teríamos nada menos do que 35 metros de área central da cidade a ser demolida (do Parque de Exposições ao Bairro Santa Rita). Aliás, a que “rio” nos referimos, se o que temos hoje, infelizmente, é apenas um canal de concreto para escoamento de águas pluviais? Precisamos lidar com a nossa realidade e buscar soluções a partir dela, sem apegos a uma visão ambientalista retrógrada e inviável.

Não resta dúvida de que, antes de iniciada uma obra, a licença para construir pode ser revogada pela Administração Pública, sem que valha o argumento do direito adquirido como bloqueio à atividade estatal, pois a propriedade urbana não configura direito ilimitado e está submetida à função social reclamada pelo disposto nos arts. 5º, XXIII, 170, II e III, 182, § 2º, e 225, § 1º, III, da Constituição Federal, dos quais decorre norma de aplicação imediata e eficácia plena. Neste sentido, com a devida vênia dos que querem demolir a cidade, em correta exegese constitucional ao art. 5º, XXXVI o Supremo Tribunal Federal decidiu que: “Fere o direito adquirido a revogação de licença de construção por motivo de conveniência, quando a obra já foi iniciada. Em tais casos, não se atinge apenas a faculdade jurídica – denominada direito de construir – que integra o conteúdo do direito de propriedade, mas se viola o direito da propriedade que o dono adquiriu com relação ao que já foi construído, com base na autorização válida do Poder Público. Há, portanto, em tais hipóteses, inequívoco direito adquirido, nos termos da Súmula 473” (RE nº. 85.002, relator o Ministro Moreira Alves). Sob este prisma é pueril e contraproducente falar em demolições e indenizações. O recuo de construção é apenas limitação administrativa pela qual a propriedade continua sob o domínio normal do proprietário, de modo que nenhuma indenização lhe será devida pela imposição urbanística. Além disso, no caso concreto, é menos oneroso construir a barragem de contenção e canal estravasor do que indenizar e acabar com meia cidade.

Pensamento da semana: “Não havendo sábia direção, o povo cai; mas na multidão de conselheiros há segurança”. Prov. 11,14.