Cesar Techio - Economista – Advogado
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Silenciou a “voz” dos perseguidos pela ditadura militar argentina, o brando contra as ditaduras militares na América Latina, o grito a Deus para que a dor dos semelhantes não nos seja indiferente; o clamor para que não sejamos frios diante da injustiça, da guerra, do engano e das traições. Frente a Mercedes Sosa, tudo parece muito pequeno. Nossas queixas, querelas. Murmúrios, covardia. Com seu canto, Mercedes Sosa desafiou golpistas e torturadores, defendendo as liberdades democráticas numa América em decadência. Ativista de esquerda, com aguçada preocupação sócio política não teve medo de enveredar pela crítica social contra a injustiça e a opressão dos regimes totalitários e antidemocráticos. A letra forte de suas músicas revelou um perfil destemido e combativo em favor de exilados políticos e inocentes: “Eu só peço a Deus, que a dor não me seja indiferente, que a morte não me encontre um dia, solitário sem ter feito o que eu queria. Eu só peço a Deus, que a injustiça não me seja indiferente, pois não posso dar a outra face, se já fui machucado brutalmente. Eu só peço a Deus, que a guerra não me seja indiferente, é um monstro grande, pisa forte, toda forma de inocência desta gente. Eu só peço a Deus, que a mentira não me seja indiferente, se um só traidor tem mais poder que um povo, que este povo não esqueça facilmente. Eu só peço a Deus, que o futuro não me seja indiferente, sem que ter que fugir desenganado, pra viver uma cultura diferente.”
A mensagem de Mercedes Sosa continua politizando gerações na América Latina e se contrapondo a arrogância de ditadores e ao terrorismo de Estado. Todavia, é forçoso constatar que no Brasil, provinciano, periférico e apartado das grandes lutas sociais e históricas do continente, grassa a mais completa alienação do que ocorre além fronteira. Por conta de uma formatação ideológica a serviço do capital, da legitimação do consumismo, da ideologia da prosperidade, da concentração de renda e da ostentação que endeusa o ter acima do ser, a alienação política, a massificação cultural são realidades perturbadoras em nosso país. Nossa incompletude cultural nos deixa mal pegados, excluídos do espírito de latinidade. Enquanto a América Latina faz luto pela morte da ativista Mercedes Sosa, quem a conhece? E, lamentavelmente, quem se importa?
Circunscrito a salas universitárias, a filosofia da libertação, a pedagogia do oprimido, a educação problematizadora, de dialogicidade e de conscientização, fazem falta nos programas curriculares de nossas escolas secundaristas. De Paulo Freire a Henrique Dussel (Para una Ética de la Liberación Latinoamericana; Filosofía de la Producción Praxis Latinoamericana, Filosofia da Libertação: Crítica à Ideologia da Exclusão; Método para uma Filosofia da Libertação, entre outros livros), fica a certeza de que, em nosso país, o caminho da, e pela libertação é longo e árduo. A exclusão das entranhas de nossa consciência ética, do visível consumismo e exploração capitalista nos quais estamos metidos até o pescoço (como exploradores e explorados), é tão evidente, que sequer Mercedes Sosa e seu ritmo quente e libertador conhecemos. A exterminação e genocídio de populações excluídas e de opositores políticos em vários países latinos americanos, em tempos de imposição ditatorial, são feridas abertas que sempre serão denunciadas pelo canto de Mercedes Sosa. E, enquanto existirem gente como Hugo Cháves, Manuel Zelaya, Daniel Ortega, Rafael Correa, os Irmãos Castro e Evo Morales (este, descendente do povo indígena, vejam só), eu só peço a Deus: que não me faça indiferente. Pensamento da Semana: “Encontrou-se, em boa política, o segredo de fazer morrer de fome aqueles que, cultivando a terra, fazem viver os outros.” Voltaire.