quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

DESÇAM DOS PÚLPITOS


Cesar Techio
Economista – Advogado
  
            A sociedade secular moderna, base do Estado laico, ao mesmo tempo em que defende a liberdade de consciência e de cultos, a boa convivência entre os credos e religiões, combatendo o preconceito e a discriminação religiosa, atenta com acuidade para a separação entre Estado e Igreja. Esta visão de origem renascentista deu ao homem uma imagem sobre si mesmo e abriu-lhe a possibilidade  do aprimoramento de seus próprios ideais. Esta concepção de comportamento e de consciência social contribuiu de forma expressiva para o desenvolvimento da arte, filosofia, ciências e de uma consciência livre. Todavia, a liberdade ilimitada, sem freios, carrega o perigo do descomprometimento com uma consciência crítica e um velado desprezo pelo esforço de pensar. Este “deixai fazer, deixai passar” em épocas eleitorais, gera consequências desastrosas, entre elas a de tornar a população joguete nas mãos de políticos desonestos, mas bem articulados na mídia e nas estruturas milionárias das campanhas eleitorais.  

     A vitória da politicalha ordinária, alheada dos padrões positivados pela legislação eleitoral, se faz por conta da escassez de raciocínio e da pouca informação de eleitores analfabetos funcionais, “livres” para serem manipulados. Este quadro tenebroso floresce em solo adubado principalmente pela alienação do povo cristão e pelo pouco caso dos que pregam nos púlpitos das igrejas, acomodados e pouco interessados em identificar candidatos comprometidos com valores morais cristãos (solidariedade, caridade, ética, justiça) e com competência administrativa e legisferante. Não me parece que paz, prosperidade e dignidade humana sejam valores alcançáveis apenas pelo discurso moralizante, oração ou evangelização, mas também com a incorporação de práticas de cidadania concretas, entre as quais, com a devida vênia, a militância política. 
        
     Em que pese a prioridade da missão das igrejas no mundo ser a de proclamar o “evangelho do Reino” e a relação com o mundo vir depois, isto não significa que devam se omitir ou sentir como secundária ou opcional a relação com o mundo, mesmo porque, a proclamação do evangelho não pode ficar restrita ao aspecto verbal, mas deve incluir ações concretas que expressem o amor de Deus pelas pessoas, conforme Tiago 2.14-17 e João 3.16-17: 1 - “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano e algum de vós lhes disser: Ide em paz, mantenham-se aquecidos e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí? Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma”. 2 -"Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que este fosse salvo por meio dele”.

     Por estes motivos, não creio ser aceitável que cristãos de carteirinha e líderes religiosos se excluam da vida política, como se sua sagrada missão evangelizadora nos púlpitos possa, por si só, concretizar o Reino ainda nesta terra. É preciso participar da política e identificar bons candidatos com os sinais do Reino de Deus: solidariedade com os sofredores (Mt 25.34); Humildade (Mt 5.3); fazer a vontade de Deus (Mt 6.10 - 7.21; 21.31,43); justiça, paz e alegria (Rm 14.17); fidelidade (Lc 19.11ss);  dependência e confiança em Deus (Mt 19.23s - Mc 10.23-25 - Lc 6.20); novo nascimento (Jo 3.3,5); amor a Deus e ao próximo (Mc 12.34); justiça (Mt 5.10 - 6.33); obediência (Mt 5.19s) e vigilância (Mt 25.1).

Pensamento da semana: “Uma igreja não existe para si mesma, mas sim para o mundo”.  George Carey – Assembléia de Deus

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O MISTÉRIO DAS MULHERES E O CALÇADÃO DA RUA DO COMÉRCIO


















Foto: http://noticias.uol.com.br/album/2012/07/13

               
           Às vezes questões simples me fazem refletir em queda livre às profundezas dos mistérios. Andando pela Rua do Comércio passei a observar as incontáveis pedrinhas brancas e pretas colocadas lado a lado em sinuosas curvas, as quais, abaixo das belas e frondosas árvores plantadas pelo Miotto, dão a impressão de um cartão postal. Mas é o movimento de pessoas que dão vida àquele ambiente urbano. No burburinho de um final de semana, com formaturas andando soltas pelo Clube 29 de Julho, mulheres elegantes, vestidas a rigor, acompanhavam, apressadas e com cuidado, as curvas das calçadas. Mesmo compassadas, duas delas levaram as mãos aos sapatos retirando-os, indignadas, nervosas, uma aos prantos, saltos quebrados: famigeradas pedrinhas!

    Andar de sapatos sem salto em dia de gala? Impossível. E mesmo em dias triviais, as mulheres gostam de andar de salto alto. É mistério que me intriga e por mais que me esforce por descobrir o porquê desta afeição feminina, mais esbarro em teorias inexplicáveis. Afinal, por que tenho que saber? As mulheres são assim. Isto é simplesmente um fato. O mar é azul. Pergunta-se: por quê? É azul porque é. Não há um porquê. Se o porquê pudesse ser respondido, então o gosto das mulheres por salto alto não seria um mistério. E as próprias mulheres são misteriosas nos seus gostos. E são misteriosas porque nenhum porquê é relevante e, se fosse possível dar respostas a áurea que envolve a beleza de seus gostos, então não haveria mistério e a própria vida não teria mais sentido. Por isso desisti completamente de tentar compreender. Apenas me convenci de que usar salto alto não é um problema. Porque, fosse um problema, como qualquer problema poderia ser solucionado. Bastaria andar de sapatos sem saltos, por exemplo. Todavia é um mistério. E um mistério é aquilo que não pode ser solucionado, além do que, a insolubilidade é inerente ao próprio mistério. Portanto, esqueçamos a compreensão do gosto das mulheres por salto alto, pois ficaremos confusos e perdidos.

    Entretanto, desconfio que o problema tenha a ver com as pedrinhas, muitas soltas, a maioria distanciadas uma das outras e enjeitadas por frestas encardidas de bactérias de décadas. Penso em construir uma teoria sobre a quebradeira diária de saltos e o pavor das mulheres pelo calçadão central: A culpa é das pedrinhas. Mas, enquanto desenvolvo a teoria, quem sabe algum vereador piedoso faça uma indicação para o nosso nobre alcaide para que retire as famigeradas do local e faça um calçadão menos agressivo, mais limpo e amigo das nossas lindas mulheres.

Pensamento da semana: Uma mulher sem mistérios é uma mulher sem magia. Eliane Azevedo

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

ADEUS FREI DIONÍSIO


Cesar Techio
Economista – Advogado

              
  Aproximando-se da morte, Francisco de Assis acrescenta a última estrofe ao Cântico do Irmão Sol que havia composto e pede aos seus confrades que o entoem em homenagem a Morte a quem com amor chama de “Irmã”: “Louvado sejas, ó meu Senhor, por nossa irmã a Morte corporal, à qual nenhum homem vivente pode escapar...”. O segredo para tamanha serenidade na hora de partir é simples. Francisco não acumulava dinheiro, poder, prestígio, bem no prumo do que disse Jesus: “Abençoados os pobres de espírito, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacificadores.” Pouca gente leva a sério este ensinamento e por isso a maioria das pessoas nunca está preparada para partir. O desespero normalmente fica por conta das posses, ou melhor, da possessividade. Quanto mais se possui, mais se teme perder. Mas, se não se possui nada, quando for a hora de partir, se estará pronto, cantando como Francisco. O problema é que se vive confundindo bens materiais, poder econômico e sucesso financeiro com bênçãos de Deus, sem se perceber que a verdadeira prosperidade é a do ser e não a do ter; que todo o desejo em ser especial é egoísta e que a viagem do ego gera o medo da partida.

  Quem não carrega nada consigo sempre está disponível para o novo, para o desconhecido. Assim são os franciscanos. Chutam o ego e se enchem interiormente de um espaço vazio, no qual não cabe bens, riquezas, poder, superioridade. O amor pela natureza e pelas pessoas, a celebração pela vida e a comemoração pela simplicidade ocupa o espaço interior destes sucessores de Francisco.  Por isso, quando partem, vão felizes. Dormindo em rede nordestina, com barbas grisalhas e roupas surradas, um franciscano excepcional defendeu entre nós, com grande força moral, a mãe natureza, a mãe terra, a preservação do meio ambiente, a dignidade do ser humano. Nos cursos de teologia abertos ao povo deu exemplo de vida a quem teve olhos para ver e ouvidos para ouvir. Cumprida a missão, pediu transferência para Curitiba para tratamento de saúde (cardiovascular). Vai da mesma forma como chegam todos os franciscanos: sem nada para carregar (E disse-lhes Jesus: “Não leveis nada para o caminho: nem cajado, nem alforje, nem pão, nem dinheiro, e não leveis duas túnicas. Quando entrardes em alguma casa, ficai nela até partirdes dali. Se alguns não vos receberem, ao sair dessa cidade, sacudi o pó dos vossos pés, como testemunho contra eles” Lc 9, 1-6).

  Em rápida conversa, me confidenciou que o exemplo que deixa por onde passa, é o de ficar sempre do lado da verdade e o de ser fiel até o fim: “Isso faz amigos e inimigos, ser fiel tem a ver com fel, é amargo, mas é o caminho”. Dionísio Ricieri Morás me deixa a mesma impressão que tenho de Francisco de Assis: a de um ser humano que sabe trazer qualidade de consciência, que sabe introduzir a mensagem de Jesus Cristo na vida comum do povo sem a pretensão de estar fazendo algo de especial, apenas cumprindo um simples dever: "Ide a todo mundo e pregai o Evangelho a toda criatura" (Mc 16,15). Por isso é um pregador extraordinário, que deixará saudades. Que ao partir não sacuda a poeira dos pés e ore por todos nós.


Pensamento da semana: “Viver é sempre dizer aos outros que eles são importantes. Que nós os amamos, porque um dia eles se vão e ficaremos com a impressão de que não os amamos o suficiente.“ Chico Xavier.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

SANTIDADE SEM PROFISSIONALISMO GERA MEDIOCRIDADE

                                                      Vino in un felice anno nuovo

Cesar Techio
Economista – Advogado

            De nada adianta santidade, correção nas atitudes, postura de oração permanente e profunda intimidade com Jesus se não houver serviço ao próximo, com competência, precisão, abnegação e realização cuidadosa do dever quotidiano. “O profissionalismo, que significa competência, estudo, atualização, vai-se formando e, pelo menos em parte, adquire-se; mas, precisamente para que se forme e seja adquirido, penso que é preciso haver, desde o início, uma boa base. Quando não há profissionalismo, lentamente vai-se escorregando para o nível da mediocridade.” Embora a santidade seja a mais importante na hierarquia dos valores é preciso considerar que está na base da nossa vida cotidiana também a qualidade do trabalho e do serviço. “Santidade significa vida imersa no Espírito, abertura do coração a Deus, oração constante, humildade profunda, amor fraterno nas relações.” Amor fraterno também significa evitar fofocas e murmurações porque lesam a qualidade das pessoas, lesam a qualidade do trabalho e do ambiente. Em síntese essa mensagem do Papa Francisco cabe a todas as pessoas, criaturas de Deus, cristãos engajados e batizados, enfim, a todos, independentemente da congregação, igreja ou religião a que pertençam.

            A ela gostaria de acrescentar o preconceito, como o maior veneno que destrói a fé, entristece o coração de Deus e alegra o coração do diabo. Ouvi da boca de um pentecostal, que católico não é cristão e, a partir desta perspectiva reducionista passar a explicar os motivos de sua convicção. Também ouvi da boca de um pastor que não se deve chamar os padres de “padre”, que significa “pai”, porque na realidade são apenas sacerdotes romanos, simples serviçais ligados à Cúria Romana. Também ouvi da boca de um líder católico que pentecostais correm o risco do fundamentalismo religioso. Então, fico a me perguntar neste início de ano de 2014, que santidade é esta que busca o preconceito e a fofoca entre o povo de Deus? Que santidade é esta que divide e rejeita a solidariedade e a fraternidade como raiz do verdadeiro amor?

            A impressão que tenho, neste alvorecer do ano, é que os cristãos, os líderes religiosos, as igrejas, assim como as instituições em geral, imersas nas suas próprias verdades, filosofias e doutrinas, perderam a noção de conjunto, de humanidade global, de amor infinito que a todos acolhe, da verdadeira mensagem de Jesus Cristo derramada nos Evangelhos e no exemplo dos apóstolos. Um cristianismo assim, dividido, preconceituoso, que não busca superar as divergências culturais e ideológicas é arrogante, anti-ecumênico, atrapalha a vida, desqualifica o profissionalismo no serviço, afasta o Espírito Santo, torna medíocre a santidade, nos impede de sermos felizes e de alcançar o céu.

           Pensamento da semana: Feliz ano novo.