quarta-feira, 30 de setembro de 2009

"ESTADO LAICO"

Cesar Techio - Economista – Advogado
cesartechio@gmail.com

Observando pessoas de todas as religiões proferirem julgamentos de natureza moral, sob múltiplas cores interpretativas da mensagem bíblica, em especial quanto às opções religiosas alheias, constatei a antinomia entre a principiologia evangélica e a práxis preconceituosa. Os ataques de natureza interconfessional se constituem numa faceta perversa desta contraditória realidade. Exemplo muito comum, são os ataques a espíritas Kardecistas em frontal colisão às normas do Evangelho, estas que proclamam, acima de tudo, a caridade e o amor ao próximo. Caridade e amor que dizem com os fundamentos básicos do cristianismo e, no Brasil, ao constitucional princípio da igualdade e ao direito alheio (privacidade), pois é isso que mantém a dignidade de cada pessoa.
Colocar o “diabo” em tudo e julgar os outros pela fé, crença ou religião, é muito perigoso. Acredito na palavra de Jesus que disse que não se deve julgar para não ser julgado. Ao adotarmos atitudes preconceituosas contra espíritas (por exemplo), em quaisquer circunstâncias, nos expomos a gravíssimo erro, não porque no mérito possamos estar certos ou errados, mas, simplesmente, porque julgamos. E não me refiro aqui ao julgamento de conduta social, que pode e deve ser feito sob o crivo da moral dos costumes e da lei vigente, mas da afronta ao direito a intimidade, a privacidade e a liberdade de culto. Que se atente para o que disse Santo Agostinho ou Agostinho (no gosto evangélico): “Ama et quod vis fac”, ou, “ame e faça o que quiser.” Ou seja, faça o que realmente se possa querer e justificar. Por óbvio que pregações e sermões contra esta ou aquela religião e seus seguidores não se insere neste “querer”, muito menos num querer repleto de compaixão e caridade. Ao contrário, é fruto de puro preconceito lastreado numa interpretação truncada dos textos sagrados, que não se harmoniza com o verdadeiro amor pregado por Ele.
É preciso lembrar, no dizer de Leonardo Boff em entrevista ao Diário do Nordeste de Fortaleza (http://www.leonardoboff.com), que “são as religiões que mantém viva a religiosidade que dá origem a valores éticos importantes para a convivência humana como a solidariedade, o amor, o perdão, a tolerância e o cuidado para com a criação”. Fora deste enfoque, a coerência que deve permear todo o agir cristão cede lugar ao preconceito, criminalizado em nosso país e punido com pena 1 a 3 anos de reclusão, conforme art. 20 da Lei Federal n. 7716/1989. Exceção se faz, por óbvio, às críticas doutrinárias em face da laicidade constitucional do Estado brasileiro (artigos 5º, inciso VI e art. 19, inciso I da Constituição Federal).
Com efeito, o Estado não tem competência para julgar se a orientação católica, pentecostal ou espírita é falsa ou verdadeira. O Estado não pode julgar, por exemplo, as seguintes contradições, mesmo que pregadas publicamente: “O que se deve entender por uma alma penada? Um Espírito errante e sofredor, incerto de seu futuro, e a quem podeis proporcionar o alívio que, muitas vezes, solicita ao se comunicar convosco.” (Livro dos Espíritos, 1015), ou, "Não se ache no meio de ti quem faça passar pelo fogo seu filho ou sua filha, nem quem se dê à adivinhação, à astrologia, aos agouros, ao feiticismo, à magia, ao espiritismo, à adivinhação ou à evocação dos mortos, porque o Senhor teu Deus abomina aqueles que se dão a essas práticas" (Deut 18,10-12). Entretanto, não é aceitável qualquer frouxidão com o magno princípio da dignidade da pessoa humana incutido nas convicções religiosas de cada cidadão. É em torno dele que deve gravitar e se escorar todas as relações de natureza social. Pensamento da semana: É uma loucura amar, a não ser que se ame com loucura. (Provérbio latino).