quarta-feira, 21 de março de 2012
“NO CAFÉ CENTRAL”
Cesar Techio - Economista – Advogado
cesartechio@gmail.com
No café da Marisa, no centrinho, entre uma conversa e outra, conjecturas sobre o futuro, costuras informais típicas de tempo pré-eleitoral, repentinamente percebo o movimento das horas, o tempo escorregando pelos dedos das mãos, o fluxo mutável das estações, a fragrância de mais um Outono que chega e me assombra. O café central sempre ajuda a espantar a impressão de que vivemos engaiolados, no escritório, no trabalho, nos vínculos sociais, nas circunstâncias pessoais, institucionais, nos contratos emocionais. Um vislumbre momentâneo da efemeridade da vida e da urgência de vivê-la intensamente, a cada cafezinho, a cada olhar furtivo, discreto, me convence de que tudo o que a existência possui de melhor, deve ser vivido. Todos os prazeres, todas as flores, todos os vinhos, todo o calor do corpo, sem nenhum conflito, nenhuma culpa, sem perda de tempo, sem medos e constrangimentos.
A dignidade de ser feliz tem vínculos com a liberdade de poder decidir o rumo da própria vida, a quantidade de açúcar no próprio café, sem necessidade de conselheiros, gurus, “amigos da onça”. Ser o líder dos próprios sentimentos, dos prazeres a serem vividos, da consciência da beleza das estrelas, da própria espiritualidade e do Criador, transforma uma ovelha, bobona e carente de quem a defenda, num leão. Mentalmente atrasadas, ovelhas sempre dependem de quem as oriente. Ajustam-se a quaisquer conselhos convenientemente preparados por aqueles que lhes querem tosquiar. E, pior de tudo: não tomam café. Nem vinho no começo do Outono, mesmo um Carménère do Vale do Colchagua acompanhado por um bom queijo e uma linda companhia.
Ovelhas não tem gosto próprio, são fofoqueiras e vivem de comparar. Possuem uma necessidade ímpar de diminuir, desprezar, falar mal dos outros, de comparar. Comparam o tempo todo. Quando veem alguém mais bonito, se acham feias. Quando encontram alguém de bem com a vida, se acham infelizes. Quando se deparam com alguém mais alto, se acham baixas. Ao verem alguém bem vestido, se acham maltrapilhas. E por isso criticam, “metem o pau” sem qualquer fundamento para tentar destruir. É a psicologia do incendiário: “O sujeito é infeliz e mete fogo no prédio para ver os outros também infelizes.” Recheado por estes pensamentos (aqui transformados em crônica, ao vivo e em cores, à mesinha do café) perscruto o vai e vem das pessoas na rua central da cidade e, observo ao amigo que me acompanha, que até mesmo uma ação trivial, comum, como a nossa, a de tomarmos um cafezinho enquanto escrevo esta crônica, conquanto feito com amor, pode estancar o tempo e nos envolver por um sentimento de satisfação, plenitude e contentamento.
Pensamento da semana: “O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.” Fernando Pessoa.